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Bom mesmo é ir a luta com determinação, abraçar a vida com paixão, perder com classe e vencer com ousadia. Pois o triunfo pertence a quem se atreve... A vida é "muito" para ser insignificante". (Charles Chaplin)


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“.... e aprendi que se depende sempre de tanta, muita, diferente gente. Toda pessoa sempre é as marcas das lições diárias de outras tantas pessoas. E é tão bonito quando a gente entende que a gente é tanta gente onde quer que a gente vá. E tão bonito quando a gente sente que nunca está sozinho por mais que pense estar ....”

(Gonzaguinha)

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quarta-feira, 1 de agosto de 2012

CRÔNICA PARA UMA CIDADE AOS PEDAÇOS



Foto de Kamila L B, que mostra o que sobrou do Anjo Azul, em uma praça do conjunto Alagamar em Ponta Negra.




“e quando não tiver mais nada
nem chão, nem escada, escudo ou espada
o seu coração acordará”
Nando Reis



Ontem acordei denso, pressionado pelas fragilidades do mundo.

Não sei se foi o escândalo dos olhos intranquilos de meus conterrâneos, sempre a procura de ameaças ocultas pelas esquinas da cidade; todos imersos em um medo, em uma desconfiança do outro, que os obriga a acreditar que todo signo é índice de seu contrário. Não sei se foi o estreitamento dessas ruas, inundadas pelos carros que hoje são senhores da cidade que um dia foi nossa. Não sei se foi o ziguezague nauseante dessas linhas luminosas que se espalham como serpentes de energia por entre nossos prédios, imensos paredões de concreto e aço que nos roubaram o horizonte.

Talvez tenham sido os canteiros abandonados, o colapso do calçadão de Ponta Negra, os números quadruplicados de homicídios, todos os índices do avanço da barbárie urbana na cidade que um dia foi a capital espacial do Brasil.

Acordei denso, amigo velho, com vontade de não sair da minha biblioteca enquanto durar essa greve das Instituições Federais de Ensino, para não ter que sentir esse ar de ansiedade, essa violência ordenada, essa pressão programada que nos empurra velozmente em direção a lugar nenhum pelas avenidas engarrafadas de uma cidade aos pedaços.

Talvez tenha sido a imagem do Anjo Azul, aquela escultura de Jordão que há alguns anos despontou na Hermes de Fonseca, como um poderoso signo antropomórfico em meio a uma cidade que se travestiu de linhas brutais para neutralizar sua própria humanidade.

O Anjo Azul para alguns era kitsch, para outros uma obra estranhamente divergente do novo sentido urbano da Hermes da Fonseca. Muitos o achavam desproporcional, invasivo, deslocado. Eu, particularmente, o pensava subversivo, rebelde, inconformado.

Com seu azul antropomórfico desconcertante, o Anjo da Hermes parecia desafiar a muralha de prédios confeccionados por uma geometria modernosa, vazia e entediante. Uma geometria pensada para florescer como tributo a uma era de coisas bem no meio de lojas em formato de caixa de sapato, todas meticulosamente embaladas pelo papel celofane da propaganda de qualidade duvidosa.

Como um anúncio teimoso do apocalipse que desumanizou Natal, o Anjo Azul de Jordão desafiava a cidade, apontando para aquilo que nós havíamos perdido. Ele tocava na sua trombeta um som de alerta, em meio ao progresso que estrangulou nosso espaço vital, nos confinando como zumbis em shoppings ou encarcerados prisioneiros a vegetar no espaço mínimo dos condomínios fechados.

A galeria fechou. O anjo foi desmontado e retirado da Hermes da Fonseca. Prometeram leva-lo para uma praça, escondida em algum declive do conjunto Alagamar, em Ponta Negra.

Ontem eu tive o desprazer de ver o que sobrou do Anjo Azul espalhado pelo chão da praça, como uma imagem de um corpo esquartejado, desovado após um homicídio desses que diariamente ilustram as páginas policiais dos jornais.

O Anjo estava lá, aos pedaços. Lançado como entulho, espalhado pelo chão da praça. Minha impressão é que havíamos nos vingado dele. Que o desejo inconsciente da cidade era mesmo que ele sumisse, demolido, esfarelado, esmigalhado como estratégia para nos livrar da culpa. Como um recurso para  manter nossa consciência confortavelmente distanciada do estado em que se encontra a alma desta cidade. Uma aldeia de ruínas dissimuladas, que nós, tão desavergonhadamente, aprendemos a demolir.


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