Há 48 anos na ativa, professora que tinha pavor de dar aula sofre pensando na aposentadoria
O magistério não era a primeira opção da jovem Emilia. “Eu não queria ser professora. Minha vocação sempre foi direito. Aliás, ainda vou fazer quando me aposentar”, disse. Ela contou que foi o diretor do colégio em que estudava que a incentivou a seguir o magistério, deixando o curso de direito de lado.
“Tinha pavor de dar aula, era meu drama. Toda vez que tinha que entrar
em uma sala, colocava alguém no meu lugar”. A coragem para encarar a
turma veio do apoio de uma professora mais experiente. Com o tempo, o
pavor foi passando e ela foi “tomando gosto pela coisa” e hoje afirma:
“Eu amo o que eu faço. Acho que isso é uma das coisas principais”.
E se a rotina está mais tranquila, Dona Emilia lembra que nem sempre
foi assim. “Comecei a dar aula no dia 5 de maio de 1963, como
substituta. Em 1971 virei professora efetiva na Vila Jacuí, zona Leste.
Eu e uma amiga minha escolhemos a escola sem conhecer, porque tinha
mais vaga. No dia que eu fui lá pela primeira vez levei mais de três
horas para chegar”.
Nessa escol,a ela ficou até 1978. O trajeto de casa para o trabalho
passou a ser feito em, no máximo, 1h15, quando foi inaugurado um
expresso que ia da Luz até Mogi das Cruzes. “Esse tempo era muito
gostoso, porque a maioria do ônibus era só de professor. Era uma época
mais família. Eu acho que isso está fazendo falta na educação, essa
união entre profissionais”.
Dona Emilia já trabalhou na coordenação pedagógica, como vice-diretora
e também deu aulas no magistério. “Era muito gratificante ver aquelas
mocinhas e senhoras querendo aprender”. Ela conta que em 1991 estava
para se aposentar e a Delegada de Ensino a convidou para participar da
Oficina Pedagógica. Resolveu aceitar, mas teve que deixar a
aposentadoria de lado. “Eu tive oportunidade de estudar muito. A bagagem
da gente é uma coisa que ninguém tira”, afirmou.
Da ditadura à Internet
Dona Emilia recordou que na época da ditadura militar as aulas tinham
que ser ministradas com as portas abertas: “Você tinha que se policiar,
não podia falar certas coisas. Mas eu nunca percebi a visita do
censor, se tinha eu não vi”. Quando a ditadura acabou e as eleições
voltaram a acontecer, a professora se lembra de um debate realizado
pelos alunos dentro da sala de aula. “Eles estavam criando uma
consciência política e se posicionavam muito bem. Essa foi uma grande
mudança, o simples fato de poder falar”.
Outra mudança veio com a internet, matéria em que os alunos ensinam os
professores, segundo Emilia. “Eu tenho um computador que está
fechadinho, acho que nem dá mais para usar, mas quero comprar um
notebook. A gente pega muita coisa da internet para as aulas, mas falta o
principal que é a ferramenta”, disse.
O que também vive mudando na sala de aula é a disposição das
carteiras. A professora não gostava da época em que tudo era fixo, uma
carteira atrás da outra. “Hoje você faz o que quer com a sala. Eu
costumo trabalhar em dupla ou em círculo, que os alunos adoram. Quando
estão em dupla, um vai ajudando o outro”.
A professora Emilia contou que tem vontade de rever antigos alunos e
colegas que se formaram com ela em 62. Ela acredita que os professores
deveriam se fixar em um lugar só, ter um salário que permitisse isso,
que permitisse que o professor se dedicasse integralmente a uma escola. É
o que ela vem tentando fazer há 48 anos.
Com 68 anos de idade e 48 de magistério, a professora Emilia Zughaib
pensa em se aposentar no final do ano que vem. Ela dá aula para uma
turma da primeira série do ensino fundamental, a 1ªA, na Escola Estadual
Marechal Floriano, em São Paulo. “O pessoal aqui duvida que eu me
aposente antes dos 70, mas acho que está na hora. Eu já venho me
preparando há muito tempo, mas sei que vou sofrer”, contou.
A rotina da professora Emilia começa cedo, por volta das 4h da manhã,
“para ir arrumando alguma coisa em casa antes de ir para a escola”. Às
6h15 (ou até 6h30, contando com atrasos) ela sai do apartamento em que
mora com a mãe, uma senhora de 87 anos, e vai de metrô até a escola. O
trajeto é tranquilo e não demora mais que 20 minutos. As aulas começam
às 7h.
Nesse ano, a professora assumiu somente uma sala com cerca de vinte
alunos. Emilia gosta de ter tempo para a criançada: “Eu sou de criar
raiz aonde eu vou, não sou de ficar mudando muito de escola. Gosto de
criar laços com os meus alunos, com os pais e com a comunidade em torno
da escola”.
E esses laços foram comprovados pela reportagem do UOL Educação
no dia da nossa visita: 14 de outubro, véspera do dia dos professores,
é também a data do aniversário da professora Emilia. Presenciamos
alguns alunos entregando presentes para a “prô”, inclusive uma menina
que teve aula com ela no ano passado e disse que sentia saudades. “É
isso que é gratificante”, disse recebendo um abraço da pequena aluna.
“Na carreira inteira, a gente leva muita rasteira, mas esse carinho
compensa tudo”, completou.
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