A abolição da escravidão no Brasil ainda está incompleta
A assinatura da Lei Áurea em 13 de maio de 1888 foi um ato que aboliu formalmente a escravidão no Brasil, mas que não apresentou nenhum projeto nacional de inserção de negro na sociedade. A afirmação é da vereadora de Salvador Olívia Santana (PCdoB), que reconhece a importância da data, mas defende que a abolição ainda não é completa, mesmo 123 anos depois. O problema talvez esteja na falta de reconhecimento do protagonismo dos escravos no processo, como explica o historiador Ubiratan Castro.
A escravidão foi abolida no Brasil em 13 de maio de 1888, quando a Princesa Isabel assinou a Lei Áurea, tornando livre todos os negros do país. É isto que se ensina nas escolas brasileiras até hoje. Embora verdadeira, a informação que consta nos livros de história está, no mínimo, incompleta. “O 13 de maio foi a culminância do maior movimento social transclassista do século 19, que mobilizou o movimento de escravos - com os quilombos e as revoltas nas fazendas, combinado com os movimentos das chamadas classes de letrados abolicionistas que davam apoio a este movimento. Era um movimento voltado para a libertação, o fim do regime da escravidão, mas com o maior vínculo com a cultura negra, com a condição do próprio escravo. A ideia da revolução era libertar os escravos e eles se transformariam em operários e isso indicava um avanço”, explica o historiador e professor Ubiratan Castro.“O problema foi o desfecho desta grande revolução. Porque a rigor, a vitória foi obtida: acabou-se com a escravidão, mas logo em seguida, os escravos perderam o controle político deste movimento. Os monarquistas rapidamente concordaram com a ideia de acabar com a escravidão, como forma de impedir que aquela revolução se deslocasse da liberdade dos escravos para a liberdade da terra. Porque a proposta dos escravos mais radicais era não só de acabar com a escravidão, mas que os senhores tinham que indeniza-los pelos anos de trabalho gratuito em suas terras. Então os monarquistas, vendo que era impossível parar este movimento, fizeram um movimento político concedendo imediatamente a abolição. É o que está no 13 de Maio, uma abolição sem nenhuma reparação, sem nenhuma desapropriação de terra. E a partir daí, os monarquistas começaram a fazer a divulgação deste mito do 13 de Maio. De que a princesa foi bondosa, que sacrificou seu trono pelos escravos, que foi um ato de bondade dos brancos a abolição da escravidão”, ressalta o professor.
“Então, quando os movimentos reagem ao13 de Maio, eles na verdade estão reagindo a uma versão oficial da abolição em que os negros foram agraciados com a liberdade, dada por uma princesa bondosa e não como resultado de sua própria luta. Acho que é importante rever a questão do abolicionismo, até para a gente entender a dinâmica de um movimento social transclassista e como de repente, as classes fundamentais acabam perdendo o rumo de um movimento e acabam sendo prejudicadas no futuro”, acrescenta Ubiratan Castro.
Processo incompleto
Para a vereadora Olívia Santana, militante histórica da luta contra o racismo, não foi só isso. “O grande problema foi que Lei Áurea aboliu formalmente a escravidão, mas não apresentou nenhum projeto de inserção de negro na sociedade. O negro continuou na periferia, na franja, nas encostas. Em uma situação ainda de muita subalternidade. Não é a toa que a escravidão existe até hoje. Por isso, nós vimos durante o governo Lula uma agenda de combate ao trabalho escravo, o que constata a triste realidade de que o trabalho escravo persiste ate hoje no Brasil. E a principal vítima disto ainda é a população negra. Não houve nenhuma política de inclusão educacional do negro, de inclusão do negro no topo da estrutura social, de divisão de renda, de indenização daquelas famílias que serviram à escravidão, que deveriam ter tido o benefício, ter sido alvo de distribuição de renda, de indenização. Era necessário indenizar aqueles que deixaram de ser escravos para ter um fundo de partida e isso não aconteceu. Então, por isso o movimento negro sempre observou mais 13 de Maio como uma data pomposa. Não é exatamente o não reconhecimento do 13 de Maio, mas o entendimento de que a abolição não foi concluída nesta data”, argumentou Olívia.
A comunista baiana defende a necessidade de adoção de políticas consistentes de enfrentamento do racismo para mudar a situação. “Não dá para ficar fazendo de conta. É preciso ir fundo na questão. Ontem, eu estava no Congresso Nacional e fiquei espantada como o Congresso Nacional é branco. É difícil você encontrar um assessor parlamentar negro na Câmara Federal e no Senado, é pior ainda. Precisamos pensar a questão enfrentamento ao racismo, que continua sendo uma agenda exclusiva do movimento negro e não deve ser. Tem que ser uma agenda de todas as estruturas que se propõem a dirigir esta sociedade. É preciso que todos se unam na luta contra a discriminação racial. Que se remova este obstáculo do caminho da população negra”, acrescenta.
“Nós tivemos avanços com as políticas sociais no governo Lula, que conseguiu melhorar as condições de vida das classes D e E, que é onde há uma maior concentração de negros, mas nós também queremos discutir o topo da pirâmide. Nós queremos discutir o empresariado, a classe política dirigente do país. Nós continuamos sem conseguir eleger negros de maneira significativa. É inimaginável um governador negro na Bahia. Parece uma heresia, porque a estrutura do poder político ainda é muito fechada, muito distante desta realidade. Nós temos que admitir que houve avanços. Houve. Mas os avanços são muito lentos diante das enormes carências que a população negra tem. Nós vamos poder dizer de fato que nós conseguimos mexer com o racismo, quando a gente tiver mais parlamentares negros eleitos, mais prefeitos, mais governadores, mais deputados. Quando a gente tiver um projeto educacional mais debruçado na educação pública no país “, defende Olívia.
“O Brasil celebra a possibilidade de ser a quinta potencia econômica mundial, mas ainda amarga uma péssima posição quando se trata dos indicadores sociais, de inclusão social. Não pode ser assim. Desenvolvimento econômico tem que ser acompanhado por desenvolvimento social e, mais importante, que inclua este grande contingente da população que ficou a margem do desenvolvimento durante tanto tempo. Nós temos mais de 120 anos de abolição da escravatura, mais ainda nos ressentimos da maneira como a população negra se encontra em situação tão desigual, tão diferenciada na estrutura social brasileira. Talvez precisemos de uma segunda abolição para completar a lei incompleta. Para abolir o preconceito, o racismo e os obstáculos que impedem um maior desenvolvimento da população negra no Brasil”, conclui a vereadora Olívia Santana.
De Salvador,
Eliane Costa
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