Os trágicos, amigo velho, nos ensinaram que a vida é um drama que se
desenrola em condições muito desfavoráveis. Nascemos sem saber o porquê
de termos vindo ao mundo. Estamos soltos neste planeta hostil, a mercê
do destino e do acaso, com o chão sobe nossos pés o céu amplo e vazio
sobre nossas cabeças. Não sabemos quando vamos sair deste mundo, mas
temos a certeza que nosso tempo é limitado e que precisamos fazer logo
aquilo para o qual fomos destinados, se é que há algum sentido
predeterminado para a nossa existência.
O sentimento trágico do mundo é o sentimento de um fluxo, de um
contínuo, em que passado, presente e futuro se sobrepõe e se sucedem, em
uma linearidade marcada pela temporalidade.
Se a vida é um drama, ela é um drama do tempo. Se ela é trágica, é a
tragédia desse intervalo, dessa falta de significado que ocupa o espaço
entre o nascimento e a morte.
Para alguns, o tempo da humanidade é o tempo da tragédia. Para os
europeus, os gregos, os alemães, a tragédia é a mãe da humanidade. Mas,
nesses tempos de violência sombria, de surto coletivo, de ansiedade que
antecipa as grandes conflagrações, não é auspicioso imolar a humanidade
no altar da tragédia.
O poético é o maior antidoto para o trágico.
Se o bode expiatório do drama é o homem lançado no tempo, imerso no
fluxo da vida que o leva sem pausa ou negociação do passado desconhecido
para o futuro incerto, no poético a linguagem emerge no absoluto agora,
no presente total, na eternidade de todos os instantes.
Quando a gente mete o lírico no meio da tragédia, o peso da condição
humana ganha o arejamento do instante. A linguagem se liberta de sua
obsessão narrativa e a gente não precisa mais se comprometer com o antes
e com o depois. Não temos mais futuro, não temos mais passado. Estamos
imersos, boiando no mar da eternidade, no fluxo sem curso definido, sem
linha determinada que nos leva a um lugar ou outro.
Toda linguagem que nos põe na direção de alguma coisa é trágica. Toda
a vida que se estrutura para um futuro projetado é parte de uma longa e
dramática construção de um narrador trágico, que quer nos prender a
velha e densa linha da vida e da morte. Do berço ao túmulo, em um curso
rígido, que nos empurra em uma única e exclusiva direção, como se
fossemos personagens de um romance cósmico escrito por um demiurgo do
mal.
A poesia nos liberta porque ela nos leva a perceber o momento, o
instante, o agora em um arrebatamento de eternidade que contamina o
espaço e que transborda pelas bordas do tempo. É o místico, o sagrado, o
absoluto, o particular, o que transgride as fronteiras, o que distorce a
consciência, o que entrega o pensamento, em toda a solidão de seus
afetos ocultos, na bandeja infinita das possibilidades humanas.
Dê um tempo na sua tragédia particular, amigo velho. Tome uma dose de
poesia e segure o infinito na palma da tua mão e que a eternidade
aparece pra você na densidade solar de um inexpugnável segundo.
PABLO CAPRISTRANO
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